domingo, 10 de julho de 2011

"Dum tipo que tem, que não deve nada a ninguém..."

(Mais uma vez, só para deixar registrado: eu quero muuuito um teclado com todos os acentos!!!)

Quem me conhece um pouquinho, sabe que sempre, desde a "Gata" dos Saltimbancos, escolho para  trilha sonora da minha vida, musicas do Chico.
Quem não sabe disso, e fundamental que saiba.

Assim sendo, resolvi pegar uma carona depois de assistir "Amor em Quatro Atos", e de ler "Essa historia esta diferente", e arriscar o meu próprio conto, inspirado em alguma letra.

Escolhi, AMOR BARATO, pois eu realmente “ queria ser um tipo de compositor, capaz…”


Foi em um café. 
Ela: “expresso sem açúcar”.
Ele: “ chocolate quente com caramelo”.
Ela no balcão, e ele em uma mesa perto da parede.

Ela perto do potinho de canela…

Ele levantou-se.
Ela notou sobrancelhas desenhadas, emoldurando olhos verdes.

Ele viu mistério. E durante 30 segundos os olhares pararam.
Ela viu a possibilidade de uma bela noite de diversão, já que estava um tanto entendiada naquele fim de semana.
Ele sentiu seu rosto queimar.

Aproximaram-se.

Conseguiram descobrir afinidades.
Ele com 25.
Ela, entrando nos 30, orgulhosa e auto-confiante.

Dia quente, boteco, mesa na calcada e um chorinho ao fundo. 
Uma garrafa gelada e dois copinhos americanos.
Gostavam de samba e gostavam de Chico.

Ali, naquela praca: brechós,  livros antigos e LPs usados. Escolheram o mesmo vinil e o mesmo Neruda.
Optaram por dividir. Um tipo de revezamento. Mas ela quis pagar sozinha.

Nao estavam longe da praia, nem do por-do-sol.
Foram assisti-lo.
E envolvidos pelo clima de bossa nova, deram o primeiro beijo.
Para ela, um beijo naquele momento era obvio, cabia no contexto.
Assim como o cafune, que ela lhe ofereceu na nuca durante o beijo.

Para ele, o beijo, o cafune e o contexto eram diferentes de todos os beijos dados antes, em todas as mulheres .
A fazia especial, e dessa vez sentiu que de verdade, era ela "a da sua vida".

Desse dia em diante ele não tentava lhe roubar beijos, roubava-lhe sempre o cafune na nuca.
Sem que percebesse, colocava mão dela, no exato mesmo  lugar da primeira vez, e apertava-lhe os dedinhos, para que ela, numa reação involuntária, seguisse o movimento, assim como se afaga uma criança desconhecida, ou um bichano carente.

E assim, meio sem preceber, foram se encontrando com frequência.
E sim, ela passou a ama-lo também.
Para ele, queria todo o bem do mundo, queria coloca-lo numa caixinha, o alimentar e dar carinho.
Mesmo sabendo que não o queria como homem, deixou-se levar.

Ele a desejava, desde o primeiro momento.
Em qualquer gesto bobo encontrava provas de amor que ele queria que fossem verdade, que ele acrediava que eram.

Quando se deram conta, havia se passado trés anos. Dois desde que começaram a dividir o mesmo apartamento.
Ela, como sempre, independente.

Acordava, fazia seu café, saia, não levava celular e nunca voltava no mesmo horário.
Fazia viagens repentinas, aparecia com convidados fora de hora e sempre fumava um baseado na mesa do jantar.
Ele, coadjuvante, a assistia e admirava. Olhava escondido, por cima do livro, cada movimento, esperando ansiosamente o momento que ela sentisse sono e o convidasse para ir deitar.

E no meio da noite, ela procurava o calor das suas panturrilhas para esquentar os pés gelados.
Ele se sentia útil por poder aquece-la, como se ela dependesse disso para viver bem.
Nesse momento, ele sempre enconrava um jeito de colocar aquele pedaço da nuca em suas mãos, só para sentir os dedos se movendo no cafune que nunca durava mais de cinco segundos.

Uma noite, ela chegou depois de um happy hour com amigos, ele havia preparado o  jantar. Ela comeu, passou a mão na nuca dele ao atravessar a cozinha por trás da cadeira onde ele estava e seguiu para o banheiro, deixando o prato sujo na mesa.
Tomou  banho e foi se deitar.

Se esqueceu de convida-lo para a cama.
Ele lavou o prato e esperou, ate que foi sozinho.

Ela já estava adormecida, só resmungou algo que ele não pode entender, ajeitou o travesseiro entre os bracos, e continuou a respirar profundamente.

Ele passou a noite em claro, esperando o toque daquele pé gelado que não chegou, ate que o despertador tocou.

Ela saiu e ele passou o dia em casa.
Notou que havia algo errado.
Se preocupou, talvez ela não estivesse feliz.
Poderia suportar qualquer coisa, menos que ela vivesse infeliz.

Decidiu então fazer uma mala pequena e uma reserva na  pousada no canto da praia.
Pegou  um papel e uma caneta, tentou escrever mas não conseguia. Nao tinha como explicar o porque estava a deixando.
O máximo que conseguiu rabiscar foi um:  “ Eu não vou voltar. Fique a vontade, use o meu lado do guarda roupas da maneira que achar melhor e coloque meias antes de dormir. Estou levando comigo apenas pequenas coisas, e levo também esse amor que eu tanto sonho”.

Ao procurar os discos e livros que levaria, apareceu em suas mãos, aquele que tinha "Amor Barato", do Chico. Deixou a vitrola nessa faixa, e colocou o papel em cima.
Mas o Neruda foi com ele.




Amor Barato

Chico Buarque

Composição: Francis Hime/Chico Buarque
Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Modesto
Um tipo de amor
Que é de mendigar cafuné
Que é pobre e às vezes nem é
Honesto
Pechincha de amor
Mas que eu faço tanta questão
Que se tiver precisão
Eu furto
Vem cá, meu amor
Aguenta o teu cantador
Me esquenta porque o cobertor é curto
Mas levo esse amor
Com o zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha
Que enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor
Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha
Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Barato
Um tipo de amor
Que é de esfarrapar e cerzir
Que é de comer e cuspir
No prato
Mas levo esse amor
Com zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha
Que, enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor
Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha



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